sábado, 29 de janeiro de 2011

A ordem a partir do caos – ou a tentativa de... [Ajuda à Nova Friburgo]


No dia 16 de janeiro de 2011, após a maior tragédia natural da história do país que atingiu a região serrana do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de pessoas de uma torcida organizada do Flamengo, denominada Urubuzada, resolveu unir esforços para levar um grande número de voluntários à Nova Friburgo, inclusive essa que vos escreve. Ao todo 42 pessoas.

No dia anterior, foi feita uma visita à sede da Cruz Vermelha na cidade do Rio de Janeiro no intuito de pegar donativos para ajudar no transporte, fato que a própria organização afirmou ter dificuldade no escoamento das doações e pela falta de transporte que levasse à Serra.

Foi feita a separação do material e do domingo de manhã, subimos. Na subida estávamos todos contentes por ajudar, e quando chegamos lá e pegamos um dos nossos, que mora na mesma cidade para nos guiar, ele subiu no ônibus e disse a seguinte frase ‘tem muita gente sem casa, muita gente morta, muito obrigado pela ajuda’. A partir daí nós demos conta da seriedade do trabalho e do quanto iriamos enfrentar em termos de desgaste físico e emocional. Logo na chegada à cidade, dava pra ver vários barrancos caídos e se observássemos em cima dos morros mais altos, deslizamentos maiores.

Chegamos em uma indústria onde fica parte do recebimento de doações. O local tem muitos galpões. Fomos recebidos por um secretário da prefeitura e um agente da defesa civil além de muitos outros voluntários que estavam lá. Ao todo não passavam de 20.

Tinha um galpão só com água, o outro onde faziam a montagem das cestas básicas e um outro ainda com caixas de leite, alimentos em caixas, roupas e brinquedos. Cada voluntário foi cadastrado e logo percebemos uma burocracia e uma desorganização na parte de liderar a equipe de trabalho. Na verdade, ficamos uns 40 minutos sem fazer nada, contanto que tinha muito a ser feito e ninguém resolvia por onde começar.

Como levamos um caminhão de donativos, foi escolhido a primeira equipe que iria as comunidades mais necessitadas cerca de 8 pessoas em 1 caminhão e 2 kombis repletas de doações. 5 minutos depois de saído o caminhão com os donativos, parou um carro com 2 homens querendo alimentos, e com o coração muito apertado, dissemos que o caminhão já tinha ido. E como não tínhamos autorização ainda pra pegar nada nem realizar nenhum trabalho no interior do centro de recebimento de donativos, pedimos desculpas àqueles homens que vieram em um carro coberto de lama.

Resolvido o que faríamos, começamos a fazer a corrente de voluntários para encher as kombis de caixas de leite que seriam destinadas às escolas municipais de diversos bairros. Nesse meio tempo, chegaram 2 caminhões do exército para ajudar no escoamento das doações. Quando terminamos de encher 2 kombis, o secretário disse que não poderíamos sair sem contar o número de caixas de leite que foram postas em cada kombi. Por mais que seja necessário a organização para que o MP ou qualquer outro órgão não acuse de estar desviando donativos ou qualquer outra coisa, a necessidade de voluntários para ajudar a carregar era muito pouco e queríamos otimizar o tempo em que estávamos lá. O nosso pensamento era ‘Ora se a demanda de necessitados é enorme, os voluntários pouco e os donativos muitos, quanto mais rápido melhor’. E a burocracia ? A gente só lembrava daquela frase ‘Quem tem fome tem pressa’.

Fui em uma das kombis em direção a uma escola num bairro que aparentemente não sofreu nada mais grave com as chuvas, conversei com o motorista e perguntei se não havia localidades que necessitavam mais do que aquela. Ele me relatou que não sabia porque estavam mandando aqueles donativos pra lá se tinha outros bairros mais afetados que, provavelmente, as doações que chegaram lá há uns 4 dias já teriam acabado. A única desculpa que ele aceitaria era por conta dos estoques dos supermercados, mas que mesmo assim isso não teria muito nexo. Ele reclamou também da burocracia necessária pra liberar os donativos das centrais.

Reparei que muitos voluntários estavam lá pra se sentir heróis, queriam fazer coisas enormes enquanto que o que a cidade mais necessita é de gente para carregar e descarregar caminhões e ainda mais importante, separar cestas básicas e organizar os donativos.

Voltando à central de recebimento, fui para uma sala onde as pessoas estavam montando as cestas básicas. Ficavam dois voluntários na ‘montanha’ de arroz, dois na de feijão e assim por diante. E os demais voluntários iam passando com os sacos pelas ‘estações’ de comida até montar a cesta básica inteira. Foi o meio mais eficiente para montarmos mais, em menos tempo. O trabalho só foi interrompido quando um dos mantimentos se esgotou.

Continuamos no carregamento dos caminhões do exército e das kombis de água e leite. Não sei ao certo quantos litros d´água nem quantas caixas de leite colocamos nos veículos, mas posso garantir que esvaziamos bem os galpões.

Depois do último caminhão do exército na Usina em que estávamos, ficamos sabendo que estavam precisando de gente para ajudar no estádio do Friburguense (outra central de recebimento de doações). Chegando lá, tinham duas filas da população local fora do ginásio esperando para receber seus mantimentos, água e roupas. Entrei no ginásio e vi uma cena da qual jamais me esquecerei. A quadra do ginásio repleta de roupas e calçados jogados por pilhas (feminino, masculino, calçados, brinquedos) e a arquibancada cheia de sacolas ainda fechadas de roupas. As pessoas iam entrando no ginásio em número de 5 e iam recolhendo o que lhes interessava, notei que muitos nem precisavam, outros pegavam mais de 4 sacos de lixo cheio de roupas. Mas a sensação que dava era de uma desumanização imensa. Me vinha a imagem de catadores de comida em um lixão. Pior ainda foi ver a cena de pessoas bebendo cerveja e tomando banho de piscina no clube enquanto a cidade necessita tanto de voluntários para trabalhar e ajudar aqueles próprios vizinhos ou amigos que perderam tanta coisa.

Conversei com um voluntário que estava na porta, perguntei como eles faziam para ajudar àquelas pessoas que faziam filas ali e se ainda tinha muita gente que ia naquele local procurar doações. Ele me relatou que na semana anterior, as pessoas estavam muito desesperadas, brigavam na fila, estavam impacientes mas que a quantidade de voluntários era muito pequena. Avistei duas mães entrando no ginásio e perguntando se tinha fralda. Um único pacote foi divido entre as duas.

Terminamos de carregar os caminhões mas ainda tinha espaço em um deles e voltamos pra usina pra ajudar a carregar com mais água.

Notei que no final do dia, as pessoas que estavam liderando as equipes não queriam mais mulheres ajudando e isso me fez sentir inútil, por mais que eu insistisse. E ainda tinha muita disposição pra tal. Muito mais do que muito homem que estava por ali ajudando. Depois de algumas horas ajudando, parar foi terrível. Ver aquele monte de coisa pra ser feita e ficar sentada foi agonizante. Mas havia uma hierarquia naquele grupo e infelizmente, eu fui obrigada a abaixar a cabeça. Foram 6 horas de trabalho e nenhuma sensação de dever cumprido. Queria ajudar mais, não queria ir embora, vendo tanta coisa pra fazer. Dever cumprido seria se quando eu colocasse a cabeça na poltrona do ônibus, expressasse um sorriso, mas pelo contrário, as lágrimas desceram junto com a sensação de que faltava muito mais.

2 comentários:

  1. Acredito que quem subiu no ônibus para ajudar já sabia da seriedade do trabalho e desgaste emocional, afinal de contas foi a maior tragédia desse tipo no mundo!
    Não rolava de oferecer ajuda a Cruz Vermelha ou outro grupo não? Se o seu grupo não te quer, procura outro!

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  2. é, amiga, infelizmente são poucas as pessoas que realmente querem ajudar... muitos estavam ali para se auto-promover, serem entrevistadas e furtar donativos... quero muito recolher donativos agora e ir lá depois do carnaval pois agora que o impacto passou, poucas pessoas lembrarão dos desabrigados... na época das chuvas a mãe do rafael estava internada na UTI e não consegui participar de nada, além da total falta de grana para comprar coisas... mas agora quero ir lá, estou buscando pessoas de lá que possam me orientar, se vc souber de alguém, me fala... bjs com saudades dalvinha

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